Política e Prazeres

Já que o poder é afrodisíaco.

segunda-feira, julho 09, 2007

A genialidade de Nelson Rodrigues

Woden Madruga pinçou algumas frases do livro “O Óbvio Ululante - Primeira Confissões”, com crônicas de Nelson Rodrigues, selecionadas por Ruy Castro:

- Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura.

-Eu diria que, em nossos dias, a televisão matou a janela.

- Hoje, ninguém vê uma gorda sem lhe acrescentar um ponto de exclamação. Vivemos uma época tão sem busto, tão sem quadris, que ninguém entenderia a Lili em 1916. Os homens eram magros, tinham a face e o peito cavos. Mas a mulher podia ser gorda, ou, melhor, devia ser gorda.

- Ninguém confessa a virtude e repito: - a simples confissão de virtudes não interessa nem ao padre, nem ao psicanalista e nem ao médium, depois da morte.

- Sim, diante de mim, está o teatro, como um horizonte obsessivo e devorador.

- A nossa solidão nasce na convivência humana.

- Desde garoto, porém, eu sentia a solidão negra. Eis o que aprendi do Brasil: aqui o branco não gosta de preto, e o preto não gosta de branco.

- A solidão do negro brasileiro não tem nem a companhia do próprio negro.

- Se a viúva amava o falecido, o segundo matrimônio passa a ser o adultério com guaranás, salgadinhos e convidados.

- Lembro-me de uma vizinha gorda e patusca como uma viúva machadiana.

- Tão fora de moda como o primeiro espartilho de Sarah Bernhardt.

- Desde menino sou fascinado pela grande dor. (Acho que a grande dor não passa jamais).

- Bonito como um elefante de rajá.

- Virgem como uma solteirona de Garcia Lorca.

- O meu primeiro pecado é anterior a memória.

- Hoje, repito, a “mulher fatal é mais antiga, mais obsoleta , mais defunta do que a primeira audição do “Danúbio Azul”.

- Quem fez noventa anos, ou mais, está isento do tempo, isento de idade.

- Em nossos dias, o brasileiro é um ser crispado de solidão. Cada um leva no peito uma sensação de orfandade.

- Ficou mais só do que um Robinson Crusoé sem radinho de pilha.

- O casamento de amor devia ter o segredo do adultério. Nada de proclamas. Ninguém devia saber, jamais.

- Mais corrupto do que um Nero de Cecil B. de Mille.

- Do seu lábio pendia a baba elástica e bovina do homicida.

- No Brasil não há tempo. Temos quinze minutos de História. Ao passo que, na Itália, um pires, uma xícara, uma pia, uma bica, têm mil anos.

- Nas recepções do Itamaraty, as casacas vestem os idiotas. E mais: - eles têm as melhores mulheres e usam mais condecorações do quem arquiduque austríaco.

- Trato de adular a minha úlcera com um prato de mingau.

- Com as técnicas modernas, é possível vender bem uma mediocridade.

- O brasileiro é um Narciso às avessas que cospe na própria imagem.

- A inteligência está liquidando o teatro brasileiro. Daqui por diante, só darei uma peça minha ao diretor que provar a sua imbecilidade.

- Estava mais eriçado do que as cerdas bravas do javali.

- Qualquer brasileiro é suscetível ao pequeno suborno.

- Fazia um frio de rachar catedrais.

- Com as técnicas modernas de promoção, o homem cada vez pensa menos.

- A origem do câncer está no tédio conjugal.

- O amigo é o grande acontecimento, e repito: - só o amigo existe e o resto é paisagem.

- O grande povo é cínico. Só o subdesenvolvido cultiva uns três ou quatro escrúpulos.

- O trágico da amizade é a convivência.

- O ser humano só se tornou humano, e só se tornou histórico, quando aprendeu a ficar só.

- Sentimental como um ouvinte de novela.

- Minha imaginação é escassa. O meu processo é repetir. Arranquei de mim mesmo, a duras penas, uma meia dúzia de imagens. E um dia sim, outro não, repito a metáfora da antevéspera. A televisão vive das reprises dos seus filmes, eu vivo das reprises das minhas imagens. Graças a Deus, o leitor não percebe que leu aquilo umas cinqüenta vezes.