Política e Prazeres

Já que o poder é afrodisíaco.

segunda-feira, julho 23, 2007

Folhas: mortas e vivas

Cláudio Emerenciano - Professor da UFRN

Ah, como o mundo seria outro, se a humanidade entendesse as parábolas e as metáforas. Em seu sentido figurado ou real, explícito, claro e evidente. Muito antes do Cristo, não compreenderam as palavras de Sócrates e o condenaram a morrer bebendo cicuta (veneno). Jesus falava por parábolas e, assim, consumaram-se profecias: "tinham olhos e não viam, tinham ouvidos e não ouviam". Num dos mais belos, ternos e humanos filmes que já vi, "O Carteiro e o Poeta", Pablo Neruda pergunta ao carteiro como eram as redes de pescar do seu pai: "tristes", foi a resposta. Folhas mortas são as que caem, embaladas pelos ventos do outono. A canção de Joseph Kosma e Jacques Prévert (Les Feuilles Mortes) foi imortalizada por Edith Piaf. Mas seu conteúdo emerge de uma ou inúmeras metáforas, cujo sentido se aplica a tudo quanto passa na vida e não volta mais. Sequer sobrevive na lembrança ou na saudade. Meu saudoso tio-avô Gothardo Netto, em cada estrofe do seu poema "Folhas Mortas", captou e revelou uma pluralidade de significados da metáfora, que seduz por sua natureza nostálgica, de algo sem retorno mas sentimental. Eis uma delas: "Folhas mortas! Vos deixo às lufadas da sorte, Como um bando augural de pássaros perdidos...Sem a sombra aromal dos pomares queridos, Sem um raio de luz que as alente e conforte!"

É impossível dissociar-me da fé cristã. Ela me acompanha desde que tenho entendimento de mim mesmo. Sábado, dia 14 deste julho de 2007, participei da missa celebrada pelo padre Geraldo, velhinho, calmo, lúcido, humilde e digno. O Evangelho de São Lucas se assenta na parábola do "Bom Samaritano". Em síntese: um homem foi assaltado e cruelmente agredido fisicamente. Foi deixado na estrada para morrer. Passaram um sacerdote e um juiz, e não o socorreram. Mas o samaritano deu assistência ao ferido em todos os sentidos. Padre Geraldo, com simplicidade, objetividade e singeleza, perguntou se estamos, no Brasil, vivenciando uma sociedade solidária e cristã. Será que perdemos a noção de justiça, caridade e fraternidade?

No domingo, dia 15, o Padre Pio Hensgens batizou meu neto Rafael e mais duas crianças. Padre Pio me lembra muito São Paulo. Sua fé é viril, indômita, autêntica, profunda, vivencial e exemplar. Além de explicar o sentido do sacramento e dos deveres de pais e padrinhos na formação da espiritualidade e do caráter da criança, o celebrante suscitou a questão básica do nosso tempo: estamos exercitando o amor? Como formar cristãos? Sem a prática e a fé no amor, extensão do infinito amor de Deus pela humanidade e toda Criação? A solidariedade de uns com os outros se materializa na família (lar), na escola, na comunidade eclesial (paróquia), entre amigos ou até desconhecidos. Qual é a visão de vida predominante entre nós? Solidária ou individualista? Para onde vamos se nos submetemos aos valores egoístas e materiais?

O cristão é uma folha viva. Não morre. Sua vida se renova por sua fé, suas ações, sua maneira de relacionar-se com os outros. É uma contínua, progressiva e renovada vivência do amor. Reflete-se no âmago de tudo quanto faz a grandeza do homem. A melhor síntese é atribuída a Maria de Nazaré, Nossa Senhora, em um dos Evangelhos Apócrifos, aceitos pela Igreja Coopta (fundada por São João): "Deve ser aquele que procura restaurar todos os desequilíbrios, que leva o consolo a todos os que padecem, e, ainda mais, aquele que entende os ignorantes. Sempre com amor".

Fonte: http://tribunadonorte.com.br/coluna.php?id=2020&art=47676