Política e Prazeres

Já que o poder é afrodisíaco.

quarta-feira, novembro 22, 2006

De Woden Madruga

A ponte e suas paródias

A ponte da Redinha tem merecido excitantes manchetes na imprensa local e comentários espantosamente cabeludos nas conversas dos restaurantes e bares da moda, mormente nas caladas da noite, quando a quarta dose de uísque relaxa as amarras da ética e da moral. Também é tema bastante palpitante nas ante-salas de importantes escritórios de advocacia. Nas prédicas político-partidárias, idem. Há um vasto repertório em torno da construção da ponte que se arrasta há anos, pendurada sobre o Potengi, e consumindo naus catarinetas de dinheiro. Dia desses li num dos jornais daqui de que o Ministério Público Federal estaria desconfiando de superfaturamento, uma coisa assim em torno de 14 milhões, o bastante para eleger dois deputados federais, uns três estaduais, encher de alegria uma carrada de prefeitos e ainda sobrar uma laminha suficiente para umas quatro voltas ao mundo, inclusive passando por debaixo da ponte. Onde, aliás, muita coisa, ainda vai passar. Ah, se vai. Me lembro agora de uma dessas notáveis manchetes potiguares: “Ponte vai ser inaugurada antes de ter os acessos”. A declaração teria sido do próprio secretário estadual de infra-estrutura, um burocrata realmente sem alças na fala.

Uma tarde dessas, já na aragem refrescante de depois das quatro, vinha eu deambulando pela Tavares de Lira, na direção Cais-Doutor Barata, quando na altura da calçada do Cova da Onça me deparei com uma animada roda onde se ouvia música de estilos e épocas distintas, mas da melhor qualidade. Me aproximei e logo vi que eram “Os Menudos do Beco da Quarentena”, famoso grupo musical que tem animado as noitadas da velha Ribeira, das Rocas e dos Santos Reis, formado só de músicos amadores, canguleiros da mais alta linhagem: um oficial de justiça aposentado, um alfaiate, um vendedor de loteria, dois estivadores e um prático do porto, também aposentado.O grupo já foi convidado para gravar um CD, mas recusa a glória. “Os Menudos do Beco da Quarentana” são realmente ótimos e tocam apenas pelo prazer de fazer música, beber uma caninha, refrescar a garganta com uma cerveja bem gelada, comer um sarapatel, gozar a vida, todos os dias, a vida inteira.

Quando eu passava pela roda eles estavam glosando a Ponte da Redinha, mote das manchetes da semana. E o faziam usando o recurso da paródia, estribados em músicas infantis famosas, algumas folclóricas, tipo cantigas de roda. A platéia se deliciava e o garçom Baltazar, filho de mestre Gaspar e neto do grão-mestre Belchior, um dos fundadores da Liga Artística-Operária, não parava de ir e vir, cuidando de abastecer a roda. Consegui anotar algumas das paródias, começando com a que usava a música de “A Casa”, de Toquinho e Vinícius. Assim, um, dois, três:
“Era uma ponte muito engraçada / não tinha acesso, não tinha entrada./ Ninguém podia andar nela não / porque fudeu a licitação / Ninguém podia armar uma rede / pois podia ter um punho verde. / Ninguém podia subir ali / a casa debaixo não ia sair / mas era feita com muito esmero / foliaduto é lero lero / mas era feita com muito esmero /muito dinheiro do fome zero!”

Tinha uma outra parodiando com a música do “Atirei o pau no gato”. Um, dois, três: “Atirei o pau na ponte - te, te, / e a ponte desabou, bou, bou, / os estais nunca saíram, ram, ram, / mas o governo superfaturou”. Os “Menudos, logo em seguida, emendavam com uma terceira paródia, agora engatada na música de “Pai Francisco”. Um, dois, três: “Dona Wilma foi a Polícia, cia, / explicar o dinheirão, rão, rão, / o MP admirou-se, se, / com o valor da ponte / que não sai do chão, chão, chão.”.

E a última era no rastro de “Escravos de Jô”. Um, dois, três: “A ponte de Wilma / virou um bom jabá, / tira, bota, / pega mais dinheiro (bis) / guerreira é guerreira / sabe como licitar, / guerreira é guerreira / vai só superfaturar! (bis).”

Fonte: http://tribunadonorte.com.br/coluna.php?id=2010

2 Comments:

  • At 22 novembro, 2006 12:45, Anonymous Anônimo said…

    Brilhante !!! Muito bom... E de pensar que teremos isto por mais quatro anos.

     
  • At 22 novembro, 2006 12:55, Anonymous Anônimo said…

    O comentário do brilhante jornalista Woden Marguga tende a ser atual pelos próximos 4 anos. Como dira Macaco Simão, "cadê o meu colírio alucinógeno?".

     

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