Política e Prazeres

Já que o poder é afrodisíaco.

quarta-feira, março 07, 2007

Um certo professor Nicolelis

Meu recado no artigo desta semana será muito simples. Apenas isto: vale a pena prestar atenção ao professor Miguel Nicolelis. E sabem por que? Pelo fato de merecer atenção as pessoas cujas palavras, na cena pública, rompem com a mesmice dos discursos atravessados por ceticismo, cinismo e impotência contagiante. E, mais ainda, pelo fato de merecer um olhar especialmente atencioso as pessoas cujas ações concretas no espaço social fustigam com força o enrijecido status quo e, sem lhe pedir licença, põem em movimento formas mais novas e promissoras de tentar transformar o mundo – senão todo ele, ao menos alguns pedaços significativos. E pouco importa o que digam os pessimistas: o sonho de transformar o mundo é desejo absolutamente legítimo de todas as gerações, desde que há 5 milhões de anos, ou 4 milhões segundo recentíssimas propostas teóricas, nos separamos como espécie de nossos irmãos macacos. E, não resta muita dúvida, esse sonho tem certa participação no melhor dessa grande imperfeição de mundo que habitamos.
Mas quem vem a ser exatamente Miguel Nicolelis? O nome já não guarda surpresas para quem acompanha regularmente notícias do front da ciência ou da política de ciência e tecnologia. Para os demais, um resumo brevíssimo: estamos falando de um respeitado neurocientista paulista de 45 anos, conhecido sobretudo por suas avançadas experiências com microeletrodos implantados em cérebros de macacos, através dos quais conseguiu obter que eles movessem braços robóticos (próteses) apenas via comando cerebral. É claro que o cabedal de contribuições científicas, práticas e teóricas, do professor Nicolelis é bem mais vasto, mas isso dá uma idéia das fronteiras por onde ele caminha. Mais uns poucos dados: formado em medicina na USP, em 1984, Nicolelis, que há quase duas décadas deixou a cena acadêmica brasileira, tem larga experiência nos modelos de produção científica vigente nos Estados Unidos, é professor da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, a quinta mais importante dos Estados Unidos, e lá comanda um importante laboratório em pesquisas do cérebro, implantado num espaço de 1.200 metros quadrados. Podem acreditar que isso é uma condição rara e privilegiada para pesquisadores de todos os quadrantes.
Pois bem: na semana passada, de 23 a 25 de fevereiro, durante o II Simpósio Internacional de Neurociências de Natal, este homem inaugurou o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, com parte da sede implantada na capital potiguar e parte na vizinha Macaíba. São cinco prédios ao todo, dois destinados às avançadas pesquisas de cérebro, um voltado a um projeto educacional para crianças e jovens de Macaíba, outro erguido para funcionar como centro de saúde materno-infantil e o último orientado para as funções administrativas. Vale lembrar aqui que há apenas três anos, no I Simpósio, quando anunciou que estava dando início ao projeto do Instituto, não foram poucos os que torceram o nariz e apostaram que ele não conseguiria. O professor Nicolelis informava ali que o instituto implementaria um novo modelo de gestão e produção científica no Brasil, capaz de articular ciência de ponta e transformação social, assegurava que levantaria capitais públicos e privados e que, em Natal, com a atração de talentos que por enquanto buscam um lugar ao sol fora do Brasil ou encontram-se dispersos e pouco produtivos pelo país, garantia que se faria pesquisa em neurociência como nos centros mais avançados do mundo. Aliás, a instituição do Rio Grande do Norte, ele prometia, se articularia com esses centros, integrando uma poderosa rede internacional recém-formada de pesquisa de ponta em neurociência e áreas relacionadas.
Não havia mais muita razão para se manter os mesmos narizes torcidos na semana passada. Secundado por uma emocionante execução do Hino Nacional pela Orquestra Talento Petrobras, assistido por autoridades brasileiras como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por financiadores como dona Lily Safra, ouvido respeitosamente por umas três dezenas de eminentes neurocientistas de várias partes do mundo, e ardorosamente por umas três centenas de jovens que do Brasil inteiro acorreram ao simpósio, o professor Miguel Nicolelis demonstrava ali que costuma cumprir aquilo com que se compromete. Mesmo quando isso não é fácil. Até aqui, os investimentos no projeto de Natal estão em torno dos R$25 milhões, mais ou menos metade bancado pelo governo federal e metade por doações privadas como as da Duke University e da Fundação Safra.
Mas não há dúvida de que Nicolelis não é personagem fácil para o status quo. Ainda nem bem se aquietara o frisson em torno do instituto potiguar e o professor Miguel Nicolelis já reiterava que este é apenas o primeiro de 12 centros similares de pesquisa em diferentes áreas estratégicas para o desenvolvimento brasileiro que devem ser implantados no Nordeste – sempre em áreas em que seja possível articular ciência e transformação social. E recursos para essa revolução científico-tecnológica-socioeconômica? Ouçam o que ele informou para uma entrevista que no sábado poderá ser ouvida no programa Pesquisa Brasil, na rádio Eldorado AM:
“Eu gostaria de deixar isso muito claro: dinheiro nunca faltou, o que falta no Brasil é gestão, é administração, é definição de prioridades, é focar nas pessoas que mostraram que são capazes de competir tanto interna quanto externamente no mercado de ciência, seja acadêmico, seja de negócios. Dinheiro, o Brasil tem, é a parte mais fácil. O que precisa é o país voltar a sonhar grande, voltar a ter determinação de realizar sonhos e vontade política de investir claramente nas prioridades do país, e não tentar contentar todos”.
E que novos centros virão? “Cada um desses centros vai ser diferente e vamos gerar como anel externo atividades de tecnologia e de negócios de ciências específicos de cada área. Acredito piamente que existe uma forma de ligar as atividades econômicas desses 12 institutos no Nordeste que é um novo negócio agrícola do Brasil. Que combina preservação do meio ambiente, especificamente a preservação da floresta amazônica, com o investimento na produção de novas culturas agro-energéticas, que podem gerar energia renovável e limpa para o mundo inteiro, novos fitoterápicos, novos tipos de alimentos, novos tipos de produtos químicos, que substituiriam produtos que hoje não são renováveis. Essa nova atividade agrícola, baseada na agricultura familiar, seria a cola, o adesivo econômico que ligaria todas essas iniciativas e permitiria que o nosso projeto científico-tecnológico, tivesse um impacto tremendo na geração de empregos no campo, no aumento da renda desses projetos agrícolas, dessas famílias, e na transformação do nordeste num celeiro do mundo, nem celeiro de produção de energia renovável e em uma região que teria como alavanca esse processo de desenvolvimento científico e tecnológico acoplado a atividade social e econômica. É um modelo de gestão totalmente diferente”.
Parece discurso de um visionário absoluto? Polêmico? O professor Nicolelis é um visionário. Mas parece ter os pés bem plantados no chão. Prestem atenção.

Mariluce Moura, jornalista, é diretora de redação Pesquisa Fapesp e autora do projeto dessa revista. É graduada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e mestra e doutora em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Este artigo foi publicado no Blog do Noblat. Resolvemos, sem licença, publicá-lo para mostrar a relevância do assunto. Esperamos que as autoridades do RN tenham a mesma opinião.