Política e Prazeres

Já que o poder é afrodisíaco.

terça-feira, novembro 28, 2006

Editorial da Folha: O ajuste do ajuste

Setor público atinge meta fiscal; padrão de ajuste que asfixia contribuinte e anula investimentos do Estado precisa mudar

AS CONTAS do setor público (União, Estados, municípios e estatais), excluindo despesas financeiras, registraram saldo positivo de R$ 91 bilhões entre janeiro e outubro, segundo o Banco Central. Esse valor correspondeu a 5,32% do PIB. O anúncio dissipou de vez as suspeitas de que o país, em ano eleitoral, não conseguiria atingir a meta do chamado superávit primário deste ano, que é de 4,25% do PIB.
Não custa lembrar que, ao incluir a exorbitante fatura com os juros da dívida estatal, desse resultado primário positivo se chega a um déficit, dito "nominal", de 2,57% do PIB. Isso explica por que, apesar da poupança que vem fazendo desde 1998, o setor público ainda não consegui baixar substancialmente a sua dívida líquida, que hoje corresponde a 49,5% de tudo o que se produz no Brasil em um ano.
Como tem sido exaustivamente diagnosticado, o superávit primário das contas públicas tem sido obtido de forma perversa. Custou aos contribuintes um aumento absurdo da carga tributária, que já ultrapassa 37% do PIB. Custou ao país a redução das despesas com estradas, portos, hidrelétricas, ferrovias e saneamento básico. Em 1995, os gastos públicos em investimentos representavam 2,54% do PIB, relação que caiu para 1,9%, em 2000, e para 0,9%, em 2005.
Essa evolução explicita as dimensões da anomalia representada pelo peso do setor público brasileiro. Em 2005, o Estado absorveu 37,4% de toda a riqueza produzida no país, mas investiu apenas 0,9% dela. O restante das despesas com investimentos produtivos, 19% do PIB, ficou por conta do setor privado.
Um ajuste fiscal de longo prazo do setor público brasileiro depende de que a taxa de juros básica siga baixando. Há estimativas que sinalizam que, se os juros reais básicos convergissem para os praticados por países emergentes, haveria um aumento do superávit fiscal de R$ 73 bilhões. Haveria recursos para abater o endividamento público, aumentar os investimentos estatais e reduzir a carga tributária.Ninguém espera que a Selic baixe num repente para esses níveis.
A simulação serve apenas para mostrar o peso gravoso das despesas financeiras em razão dessa anomalia internacional que são os juros praticados no Brasil. Trazê-los para padrões mais civilizados, decerto, requer uma dose maior de bom senso do que a que tem prevalecido entre os gestores da política monetária desde o Real. Mas não só isso.
Ao poder público cabe também a tarefa de controlar suas despesas correntes, impedindo que cresçam, como vem acontecendo, a taxas muito superiores à do próprio PIB. De um rearranjo corajoso e inteligente do Orçamento é possível extrair os recursos necessários para aumentar, paulatinamente, o gasto público em infra-estrutura.
É da decantada agenda da "qualidade do ajuste" fiscal, enfim, que se trata.